DESASTRE NO EVEREST, A FATALIDADE ESPORTIVA MAIS RELATADA DA HISTÓRIA

Nenhum outro acontecimento no mundo dos esportes outdoor tem tanta literatura. São mais de dez livros, e vários serviram de base para dois filmes e diversos documentários.
atualizado em 11 out 2024

Nenhuma outra fatalidade no mundo dos esportes outdoor repercutiu tanto; são 2 longas metragens, inúmeros documentários e pelo menos 10 livros em que seus autores foram atores ou testemunhas, inclusive o best seller “No ar rarefeito” de Jon Krakauer (Companhia das Letras) que talentosamente trouxe ao alcance de qualquer leitor um acontecimento que normalmente só seria bem compreendido por alpinistas e escaladores.

A trama real inclui pessoas perdidas na escuridão da montanha tentando sobreviver a uma nevasca com sensações térmicas de 30 graus negativos e ventos de 60 quilômetros por hora. A vida se esvaindo através dos membros congelados e da falta de oxigênio que, além de cansaço e confusão mental imediata, com o passar das horas provoca edemas cerebrais fatais. Como pano de fundo a irresponsável concorrência pela exploração comercial das escaladas guiadas, que além dos congestionamentos humanos no alto da montanha cria um ambiente onde se misturam a luta pela vida com vaidade, amadorismo, egoísmo e soberba.

Há momentos muito marcantes como uma improvisada ligação via telefone satelital entre um alpinista a beira da morte nas proximidades do cume e sua mulher grávida na Nova Zelândia – em um diálogo que mistura despedida com escolha do nome do bebê. Ou os inéditos resgates de helicóptero nesta altitude, salvando a vida de dois alpinistas, entre eles o patologista americano Beck Weathers, que praticamente cego, com as mãos e o nariz congelados, achou sozinho o caminho do acampamento depois de ter sido dado como morto. Este relato incrível está no livro “Deixado para morrer”(Editora Intríseca), dele mesmo.

As discussões foram alimentadas pelo que escreveu Krakauer, tanto em seu livro como na revista Outside, referência mundial em esportes e atividades na natureza. Era imprescindível debater os rumos da exploração comercial do Everest. Mas as publicações também trouxeram à tona um dos passatempos mais recorrentes do ser humano; o julgamento. Pessoas que não saíam de seus sofás sequer para caminhar no parque converteram-se em especialistas de montanha da noite para o dia. E julgamento precisa ter réu. Um vilão.

O jornalista Jon Krakauer era a pessoa certa no “momento certo”. Além de alpinista com alguma experiência, estava no Everest como correspondente especial da Outside, justamente para cobrir a expansão da escalada comercial. Antes deste sucesso ele já havia escrito “Na Natureza Selvagem” (Companhia das Letras), que também veio a virar filme.

Além do relato desesperador da luta pela sobrevivência dos alpinistas, Krakauer testemunhou a bizarra morte do inexperiente escalador taiwanês Che Yu-Nan, que simplesmente esqueceu de colocar uma bota adequada e deslizou para a morte pelo precipício. Detalha nuances da competição entre as expedições comerciais, e questiona com veemência se o fato do experiente guia de origem russa, Anatoli Boukreev, não ter escalado com o auxílio de oxigênio suplementar pode ter influenciado em algumas mortes.

Inconformado com a maneira como foi tiranizado pela opinião pública, Boukreev recorreu a Weston DeWalt, documentarista e escritor, para relatar o seu lado. No livro “A Escalada” (Editora Gaia), o alpinista justifica suas atitudes durante o desastre como parte da estratégia traçada com o chefe de sua expedição, bem como sua relação com os envolvidos, os momentos em que executou um resgate heroico salvando a vida de três alpinistas, e a infrutífera tentativa de resgatar seu líder e amigo Scott Fischer.

Mas se a opinião pública leiga já tinha escolhida Boukreev como suspeito, ela definitivamente o condenou no primeiro filme sobre o desastre, lançado em 1998. Produzido pela Rede ABC, baseado no livro de Krakauer e romanceado para apetecer o público, o roteiro transforma o alpinista em alguém indisciplinado e beligerante, e pega um gancho nos sentimentos ainda vivos da guerra fria. Segundo Boukreev, o filme parecia uma “caricatura do Everest… Só falta colocarem um gorro de pele com uma estrela vermelha na minha cabeça.”

Apenas um mês após o lançamento de seu livro e de uma exaustiva turnê, e apenas alguns dias depois de ter visto o filme, Boukreev partiu para o Annapurna deixando uma breve nota para ser lida no encontro anual do respeitado Clube Americano de Alpinismo, que o premiou pelos “esforços extraordinários e recorrentes para localizar e salvar três colegas de equipe”. Não sobreviveu para receber ao vivo. Morreu em uma avalanche, duas semanas depois da cerimônia.

Em seu livro “Everest, o diário de uma vitória” (Editora Record) o alpinista Waldemar Niclevicz narra a primeira ascenção brasileira ao cume do Everest, um ano antes do desastre e parcialmente guiada por Boukreev. Em alguns momentos Niclevicz o descreve como dono de “um perfeito domínio da técnica de escalada e uma forma física excepcional”. E se cabe alguma avaliação sobre as ações de Boukreev, convém lembrar que, dos clientes de seu grupo, nenhum morreu ou sequer sofreu lesões sérias, graças principalmente às suas ações de resgate.

Sobreviventes como Lene Gamelgaard e Lou Kasischke, também escreveram livros relatando suas experiências, assim como outros alpinistas que estavam presentes na montanha, acompanhando impotentes o desenrolar da tragédia que acontecia poucas centenas de metros acima de suas barracas. O alpinista Ed Viesturs em seu livro “Não há atalhos para chegar ao topo” (Editora Gaia) relata sua trajetória nos quatorze picos mais altos do mundo e inclui um capítulo sobre o desastre e sua participação no incrível resgate de Beck Weathers.

Muito emocionante e excelente leitura também é “Em busca da alma do meu pai” (Companhia das Letras) de Jamling Norgay, que estava nas montanhas nestes dias fazendo sua primeira escalada ao Everest, junto a equipe da IMAX. Ele é filho de Tenzing Norgay, primeiro xerpa (etnia que habita o Himalaia) a conquistar o cume em 1953, ao lado do neozelandês Sir Edmund Hillary. Seu livro é o que dá mais ênfase ao aspecto espiritual da montanha, bem como a visão dos xerpas de que a fatalidade aconteceu principalmente porque os ocidentais não a respeitaram.

Mas talvez o conceito mais correto seja o de Lene Gameelgaard quando diz que “as pessoas não vão parar de morrer no Everest, não há como escalar o Everest sem risco. Se você quer segurança não escale montanhas, nem vá até lá!”

Dois outros eventos já mataram isoladamente mais pessoas do que a fatídica temporada de 1996 mas, talvez por contarem com a interferência decisiva da natureza, não mereceram livros ou filmes. Uma avalanche em 2014 matou 16 xerpas envolvidos na fixação de cordas e escadas metálicas que seriam utilizados naquela temporada. Em 2015 um terremoto que matou 8 mil pessoas vitimou 22 destas no Everest, a maioria xerpas. A influência do Everest na cultura e sociedade local está presente na maioria dos livros e enriquece bastante a leitura.

Para compreender, se emocionar e tirar conclusões equilibradas o recomendado e ler pelo menos dois; “No ar rarefeito” e “A escalada”.  

Para quem nem pensa em estar em uma montanha, os livros trazem aprendizados que servem para diversos tipos de vida. Para quem busca inspiração para escalar, Joel Kriger, 68 anos, é o alpinista brasileiro mais velho a alcançar o cume em 2022, e ele começou a escalar aos 50 anos!

Boa leitura!

por Guto Zorovich

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